Os campos são verdes
Os lobos e as raposas do monte estão à vossa espera para atacar, dizia o pastor para o seu rebanho.
Naquela manhã em que se dirigia para a vila, reparou na cor rosada do céu naquele raiar tão comum mas tão invisível para quem apaga o ser a essa hora.
Dorme amigo e acorda tarde que o sono é ligeiro e mata as doenças da consciência.
No centro da localidade, o padre Orestes já fazia a primeira oração do dia, quando o pastor lhe bate à porta, aflito.
“Que se passa?” perguntou tão de rompante como a chegada do visitante. “Vi Deus” respondeu ainda em choque o pastor. Num misto de surpresa e dúvida, o sacerdote, que reconhecia na sua fé uma fraqueza que não via no início da sua missão, pede ao pobre homem para contar a sua história. E assim acontece.
Ainda era de noite e os animais pastavam, toda a razão da existência humana se apresentava a seus olhos. Sem dúvida alguma.
Eurico era um homem crente na sua fé cristã, assente nos ensinamentos da Igreja Católica Apostólica Romana, incutidos desde tenra idade na igreja da paróquia vizinha. Não seria na dele porque não havia padre, tal era o medo de lá viver, no Vale do Inferno. Assim, Eurico percorria quilómetros em sobe e desce constante para chegar ao convento do Fim do Mundo onde a irmã Maria do Céu lhe transmitia a palavra do enviado do Senhor.
Porém, naquele dia, tudo lhe faria mais sentido. O porquê de ser, simplesmente.
No momento mais inesperado, a mais ingénua das ovelhas cedia aos encantos do chamamento carnívoro do lobo. Era o mote do sustento da alcateia, a sua missão terrena havia sido concluída. Seria um óbvio fracasso ou por outro lado um tremendo sucesso da harmonia entre as espécies?
O fracasso do pastor seria então uma perda para o Mundo, o propósito de qualquer lamento, ou seria um sucesso da vida do planeta? E em que medida a morte é sinónimo de vida?
A vida passara-lhe então à frente dos olhos. “Deus!” exclamou com a mesma convicção com que um bebé chora quando sai do conforto da barriga da mãe e chega à agreste e cruel mas verdadeira realidade.
Todas as interrogações desapareceram, todo o senso, bom ou mau, passou a fazer sentido, o doce e o amargo estavam agora em sintonia, o amor era agora compreensível e racional.
O sentido da vida era a sua aparente incógnita, não a sua solução. Depois de falar com o pároco, Eurico faz uso da sua “arma da vida”, como lhe chamava. De cano apontado à cabeça prepara-se para puxar o gatilho quando vê do outro lado da porta entreaberta Sofia.