Lisboa, cidade suja.
Dos seus lampiões apagados surgem vultos negros cheios de expressão. Das bicas escuras sai o líquido mais horrendo que mata a sede a largos milhares.
São almas que conseguem empobrecer o mais vil dos cenários, tal fonte dos prazeres infames que esquece os que para si trabalharam desde sempre, minhotos, trasmontanos, durienses ou beirões.
Juntos construíram esse projecto de metrópole, juntos o mantiveram e já convertidos o destruirão.
É tal o olhar triste na emblemática Avenida da Liberdade que os edifícios que a limitam pedem permissão para não brilharem. Chegado ao Rossio de chão gasto apetece-me correr pela Rua Augusta até ao rio das maleitas.
Ai Tejo, por pouco me apanhava! Num impulso parei a 2 passos do muro, pensava eu em saltar, Cais do Sodré à vista. Tarde me apercebi e cedo reparei que não podia continuar, tal é a imundice de tal leito que transborda deslealdades, enganos e traições.
Corro, corro, paro e torno a correr até chegar a Belém. Aí deito-me e adormeço até à manhã seguinte na ilusão de encontrar um Mundo novo.
Sim, aí está ele! Bem… ainda estou inebriado pelo fumo que percorre as esquinas mais esquivas do Centro Cultural de Belém, nada mudou. Apanho o autocarro e dirijo-me para o Campo Grande e Lumiar. Esquecida a Ajuda que me foste pelas ruas estreitas de Alfama tanto encontrar o fim de tanto tormento, tanto que é ignorado por todos.
Envenenaste, Lisboa, as boas almas que albergavas. Hoje são apenas resquícios irrecuperáveis que empestam os seus ares, e os vizinhos, lentamente, para o sul e norte.
Lisboa, porque tendo tu Portugal concentrado conseguiste destruir todo o doce espírito que nos caracterizava? Vamos definhando à tua custa.
Roubaste homens, ideias, ambições, mulheres e sonhos a um país que te exclamava a plenos pulmões: “Capital! Capital!” e apagaste as nossas origens.
Eu choro porque não consegui acompanhar-te e aprender a morrer contigo, silenciosamente.
Penso em Cabo Verde, Angola, Moçambique, Timor e lá estou, com os Anjos.
Resigno-me.
Um destes dias pode ser que me tragas quem eu mereça, quem valha a pena, Lisboa.
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