A sabedoria
Sofia era a força que não se perdia quando o sol pousava. De dia era o sol, à noite o fogo que não apaga. Desde o dia em que a vira, o pastor não mais esqueceu a sua figura bela, segura e de uma doçura inalcançáveis por qualquer outra. Amor à primeira vista? Não era crente em tal filosofia embora naquela fachada de racionalidade imperturbável fosse em tudo emoção.
Só que ela ainda não o havia visto.
Era filha do “Homem dos Trinta”, assim chamado desde o famoso golpe em que foi o comandante de apenas trinta homens mas com uma estratégia tão bem montada que o anterior chefe da vila pensava que eram trezentos e fugiu. Ao contrário de outros, não era um líder cruel, mas possuía uma arrogância e um estilo autoritário que incomodava os intelectuais da terra. Do outro lado estavam os bajuladores que ansiavam por um posto relevante na hierarquia social da Vila dos Prazeres.
Desse lado estava Martins, alto, entroncado, cabelo ruivo e um olhar inquieto e exasperadamente ansioso por fama, dinheiro, influência, em suma, poder.
Naquele momento de impasse aparece Martins chamando por Sofia e ela, a contragosto, responde-lhe. O pastor continua de cano posto, pronto a pôr fim a todo o sofrimento da verdade, por entre apelos repetidos do padre para não o fazer.
- Não o faças meu filho!
- Outra hipótese não terei.
- O Senhor é misericordioso, Eurico!
- Sofia?
(silêncio)
Como um menino conformado com um castigo, o pastor aos poucos vai pousando a arma e, olhando fixamente para a amada, começa em longo pranto enquanto Orestes o abraça em oração.
Era ele pois quem lhe enviava cartas de amor anónimas e ela, tentando mostrar indiferença, mais depressa se apaixonava por quem não conhecia. Encontrava-as sempre no segundo banco à esquerda da igreja, desde o primeiro dia até ao décimo, em que começou a responder, e até hoje.
“Hoje acordei e no meio de tão escassa beleza terrena sois vós quem com tal imagem radiante me ofusca, tira a pele lentamente e me queima o coração até desaparecer. No seu lugar um vazio só por vós, Senhora, visitado, para sempre.
Tropecei no enigma da vida e abri-o, sem querer. Desfeito o mistério nem vós me segurais aqui, pois vosso futuro será sempre radioso e ainda mais em minha ausência.
Podeis estranhar o conteúdo desta lúgubre e fugaz missiva. Esta fará o devido sentido às nove badaladas do dia de amanhã, na Igreja da Vila.”
Ela apareceu.
Bate à porta encostada.
- Bom dia senhor padre. Posso entrar?
Nesse momento já Eurico se tinha escondido atrás do armário que guardava os cálices, as velas e as vestes.
- Bom dia minha filha. Agora estou bastante ocupado. Que te traz cá?
- Por acaso o senhor padre não viu por aqui um rapaz mais ou menos da minha idade.
- És a primeira pessoa que vejo desde que acordei.
- Então fui eu que fiz confusão. Peço desculpa pelo incómodo.
- Ora essa menina!
Sofia cede então aos intentos de Martins e abandona o templo. Com ar triste, solitário e destroçado tenta fugir ao homem que servia o seu pai. O pastor ainda mal refeito do choque parte agora em busca da sua amada.
Tarde demais.
3 comments:
Pois, pois, muito inspirado!!! Devias tar num rompante de inspiração que assolam a mente dos criadores, que devoram as letras do teclado com sofreguidão, de tal modo, que saem pequenos erros incautos por entre as palavras. Nada de muito anormal, não te preocupes. "... fama, dinheiro, influência, eu suma, poder." e "... Martins chamando por Sofia e ela, a contagosto responde-lhe."
Só a acrescentar que para um Pastor, o Eurico até escreve bem!
Mas fora estes pequenos precalços, a história tá a ficar animada!!!
Fica por saber ao certo o que aconteceu ao Eurico. Ficam apenas as especulações!!!
aB
Erros corrigidos.
Obrigado pelo aviso. Tenho o terrível defeito de não reler com atenção o que escrevo.
Quanto ao resto, fica por saber a que idade começou ele a sua actividade de pastor. Pelo facto de ter sido ensinado num convento mostra que o seu percurso pode não ter sido tão linear assim.
Agora já estou esclarecido B94!!!
Muito oB!!!
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